O fim do suposto esquema de corrupção na Apae revelado em 29 de novembro do ano passado durante a operação Turn Off, do Ministério Público Estadual, está deixando cerca de 2,6 mil pessoas ostomizadas sem as bolsas coletoras e urina ou fezes em Mato Grosso do Sul.


Em Campo Grande a falta de bolsas ocorre há pelo menos três semanas, mas no interior do Estado há pacientes que estão à espera há pelo menos 45 dias, conforme Mayara Costa, voluntária da Associação dos Ostomizados de Mato Grosso do Sul.


Por conta desta falta de bolsas na Apae, a associação está prestando ajuda para cerca de 140 ostomizados que não conseguem bancar o custo das bolsas por conta própria. 


A investigação do MPE apontou que o diretor técnico da CER Apae, Paulo Henrique Muleta de Andrade, que chegou a ser preso no dia 29 de novembro, tinha uma espécie de esquema para privilegiar uma das fornecedoras deste material e em troca disso recebia propina. Ele acabou sendo afastado da Apae.

Com a descoberta, o contrato com essa empresa foi suspenso, mas a Apae, que continua recebendo dinheiro do Governo estadual para fazer as compras, não conseguiu encontrar de imediato outros fornecedores que pudessem atender à demanda dos cerca de 2,6 mil pacientes atendidos pelo SUS aqui no Estado.


O problema do desabastecimento foi denunciado pelo Conselho Municipal de Saúde de Campo Grande ao Ministério Público Estadual durante reunião na última terça-feira. Diante disso, a promotoria exigiu explicações da Apae. Em 2020, o valor anual repassado à Apae era da ordem de R$ 11,2 milhões.


Conforme informações repassadas ao MPE, depois da descoberta do esquema de corrupção, a Apae passou a fazer as compras com três empresas e a previsão é de que parte dos produtos sejam entregues até o dia 26 de fevereiro. Porém, o reabastecimento total deve acontecer somente a partir de abril, acredita Mayara Costa.


Sem o fornecimento feito pelo poder público, por meio de convênio com a Apae, os ostomizados são obrigadas a gastar em torno de R$ 1,5 mil por mês para a aquisição das bolsas.


Porém, como muitos não dispõem deste valor, acabam reutilizando as bolsas. Mas, conforme Mayara, isso acaba acarretando uma série de consequências, principalmente infecções das mais variadas. Além disso, impede que as pessoas saiam de casa e faz com que sofram uma infinidade de constrangimentos. 


A maior parte dos pacientes que utilizam as bolsas de coleta das fezes são vítimas de câncer de intestino e muitas delas são obrigadas a utilizar pelo resto da vida, explica Mayara. Ela destaca também que a quantidade de ostomizados aumentou muito durante a pandemia de covid, já que muitos infectados pelo virus apresentavam problemas intestinais graves. Boa parte destes, porém, está conseguindo fazer cirurgia de reverão para voltar a ter uma vida normal. 

ESCÂNDALO

A operação para investigar suposto esquema de corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraudes em licitações e contratos públicos levou oito pessoas à prisão no dia 29 de novembro do ano passado. 


No mesmo dia, o governador Eduardo Riedel anunciou a exoneração do secretário-adjunto da Secretaria Estadual de Educação (SED), Edio Antonio Resende de Castro, que chegou a ser preso, e do secretário-adjunto da Casa Civil, Flávio Brito. 


Édio foi trazido pelo ex-governador Reinaldo Azambuja da cidade de Maracaju. Eles trabalharam juntos quando Azambuja era prefeito. Flávio Brito, por sua vez, comandou a pasta da Saúde nos últimos meses do Governo de Azambuja, em substituição a Geraldo Rezende, que deixou o cargo para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. Nesta disputa, foi eleito.


No dia da operação, além de 35 mandados de busca e apreensão, foram presos os irmãos Lucas de Andrade Coutinho e Sérgio Duarte Coutinho Júnior, que, segundo a investigação, forneciam as bolsas de colostomia à Apae.


Ao todo, a investigação apontou suspeitas em contratos que somam R$ 68 milhões envolvendo os irmãos e servidores públicos. Além dos contratos com a administração estadual, o Gaeco investiga também supostas irregularidades em acordos firmados com três prefeituras do interior (Itaporã, Rochedo e Corguinho)


O esquema, conforme divulgou à época o Ministério Público, estava baseado em uma espécie de jogo de cartas marcadas entre os irmãos e a servidora Simone de Oliveira Ramires Castro, pregoeira-chefe da Secretaria de Estado de Administração (SAD), que supostamente recebia propina para garantir a vitória dos irmãos em licitações.


Paulo Muleta Andrade, coordenador técnico do Centro Especializado em Reabilitação da Apae, foi detido por conta dos indícios de que recebia 4% de propina das vendas que os Coutinho faziam à entidade, bancadas por um convênio também realizado por intermédio da Secretaria de Estado de Saúde (SES).


EDUCAÇÃO

No caso da Secretaria de Educação, as suspeitas foram sobre suposta fraude na aquisição de aparelhos de ar-condicionado com sobrepreço. A aquisição dos aparelhos, conforme os investigadores, foi toda fraudada. A Comercial Isototal, de Lucas Coutinho, concorreu no pregão com a Comercial T&C Ltda., pertencente a seu tio. Para reforçar o indício da “carta marcada”, a empresa do tio dele ofereceu preço bem acima do concorrente.


TURN OFF

Turn Off, termo que deu nome à operação de novembro do ano passado, traduz-se da língua inglesa como 'desligar'. O termo foi usado após a primeira descoberta desta investigação, que teria sido a corrupção na aquisição de aparelhos de ar-condicionado. 

Então, sem tese, o objetivo da operação era 'desligar' (fazer cessar) as supostas atividades ilícitas da organização criminosa que estava sob investigação. Porém, o Governo do Estado continua pagando em torno de R$ 1 milhão por mês à empresa Isomed, uma das que é controlada pelos irmãos Coutinho e que foi alvo da operação.